Existem certos momentos na nossa vida que servem como grandes estalos. Parece que uma verdade se revela claramente diante dos nossos olhos, como se até então existisse uma cortina bem grossa nos separando.
Este momento aconteceu comigo e o Minimalismo quando eu estava voltando ao Brasil depois de um intercâmbio de 1 ano na Austrália e fui fazer minha mala de volta.
Na época que saí eu tinha ido com uma mala grande e uma pequena, e 3 meses planejados de estudo.
Eu nunca tinha saído do país antes e pensar em viajar pro outro lado do mundo, sozinha, pra passar muito tempo, me assustava muito! Apesar de todo mundo me falar que eu não ficaria só 3 meses, “porque a Austrália é incrível”, “talvez nem queira voltar”, eu fiz minha mala pensando na volta, que tudo seria temporário, e eu ‘retomaria’ minha vida depois.
Confirmando as previsões dos amigos, eu fui ficando, me adaptando… três meses passaram muito rápido e eu acabei ficando um ano fora de casa, até que chegou a hora de tomar uma decisão. Tinha duas escolhas: Ficar e construir minha vida lá, ou voltar e reiniciar no Brasil.
Naquele momento achei que voltar ao Brasil seria a melhor opção.
Comprei a passagem e comecei a organizar minhas malas.
Desde que cheguei lá eu praticamente morei no mesmo lugar. Assim como acontece com qualquer um, fui adquirindo coisas e ‘acumulando’. O fato de não precisar fazer mudanças normalmente não nos dá a noção exata do que nós temos, pq elas ficam “acomodadinhas”.
Até que no último mês tive que liberar o apê e voltar a mexer e empacotar minhas coisas.
Quando comecei a fazer a mala, cerca de uma semana antes de embarcar, eu comecei a sentir uma angústia muito grande.
Pouco tempo antes eu tinha feito uma viagem pra Indonésia e Tailândia, e como costumava fazer, tinha uma lista de pessoas e de presentes pra eu levar.
O estalo começou aí.
Comprei cerca de 8 cangas de praia para dar pras minhas amigas. Comprei algumas roupas, itens de decoração, pra mim e pra presentear… entre outras coisas.
Me vi muitas vezes mais preocupada em parar nas lojinhas e barraquinhas de rua procurando pelo “presente certo” do que desfrutando daquele dia.
Quando foi a hora de fazer as malas, eu comecei a entrar num conflito enorme, um aperto no peito tomando conta de mim, e me fazendo repensar cada escolha que tinha tomado até ali.
Pense só o volume de 8 cangas em uma mala! Que ideia foi essa! “Podia ter comprado um imã de geladeira…”
Tinha também sapatos pra carregar. Sapatos pesam e ocupam muito espaço!
Tinha um salto que eu gostava bastante mas achei que já estava muito velhinho… não valia a pena carregar…
E assim com cada item, eu fui tomando uma consciência que até então não tinha, sobre QUANTO CUSTA, QUANTO PESA, QUANTO VALE! E o vale muito mais no sentido emocional do que no financeiro.
Me peguei gastando momentos preciosos dos meus últimos dias lá, FAZENDO MALA!
Colocava e tirava, não fechava de jeito nenhum. Comprei outra mala.
Negociava comigo mesma, me arrependia de algumas compras… de tantos presentes…
Me questionei se afinal o que eu devia carregar e entregar às pessoas que gosto não seriam as minhas experiências, muito mais do que uma etiqueta escrito MADE IN THAILAND.
Foi um dos momentos mais marcantes da minha vida.
Foi dali em diante que eu passei à enxergar muitas coisas de outro jeito.
Na viagem pra Ásia eu passei 20 dias fora só com uma mochila, e deu tudo certo, não me faltou nada.
Eu que tinha passado 1 ano incrível, com experiências únicas, estava ali diante de uma mala, com o coração partido por ser obrigada a me desfazer de algumas coisas, enquanto a única coisa que eu pensava é em como eu deveria me sentir grata pelo que passou.
Em como eu deveria aproveitar cada minuto com as pessoas e nos lugares que conheci lá, e não procurando a dobra perfeita ou tentando encaixar aquele tetris sem resultado satisfatório.
Eu consegui fechar uma mala, aliás 2 grandes e 1 pequena.
Até hoje me lembro de itens que tive que deixar pra trás, mas o meu maior arrependimento foi o tempo perdido naquela mala e sentindo aquele aperto no peito tão ruim.
Eu passei a entender que a vida se trata muito pouco de COISAS. E muito mais de experiências.
Aquelas mil cangas que levei pra presente, devo ter entregue umas 4… porque nem mesmo encontrei com aquelas amigas que queria presentear.
Pra quem já esteve um tempo fora sabe o poder que o tempo tem de modificar relacionamentos, como aquele clássico de La Rochefoucauld: ‘o vento apaga as velas mas atiça as fogueiras’.
Nenhum presente físico, ele por si só, seria capaz de me conectar com alguém. Porque as trocas são feitas de outra forma. Trata-se de outro tipo de doação…
Sofrer por uma viagem nunca mais foi uma opção pra mim.
A partir dali passei a rever tudo o que eu tinha, e criei uma história na minha cabeça pra me guiar:
SE HOJE, Eu tivesse o convite da maior oportunidade da minha vida em OUTRO PAÍS, algo que eu sempre sonhei, eu estaria lamentando pelo que preciso deixar pra trás, minha casa, minhas roupas, meus móveis… ou estaria inteiramente entusiasmada por realizar o meu sonho?
É esta pergunta que me guia.
De lá pra cá eu já mudei algumas vezes de casa e de país. Foram muitos apegos e desapegos nesse meio do caminho. Cada mudança é uma chance de me reconectar com este sentimento e reforçar minha decisão.
De cada situação quero levar EXPERIÊNCIAS, não apenas ‘lembrancinhas’.
Quero me sentir livre pelo mundo. Sem necessidade de posse, de apego, de peso.
Hoje eu não sou a pessoa que tem dois pares de jeans e 3 camisetas.
Ainda estou procurando meu próprio ‘caminho do meio’, ainda gosto de itens que aos outros de fora podem ser supérfluos, ainda gosto de bibelôs e de presentear, mas já não sofro tanto ao deixar ir e viver o hoje, porque o que se colhe sempre vale a pena.