Emergência Climática Minimalismo & Essencialismo

Onde estava toda a sua tralha? #SOSRS

Nestes últimos dias o Brasil tem passado por um processo de DESAPEGO MASSIVO!

Toneladas e toneladas de roupas de vários lugares, e inclusive outros países, estão chegando ao Rio Grande do Sul.

E que bom!

Que bom que a empatia nos move e a generosidade tem oportunidade de ser exercida em situações de calamidade como a que está acontecendo neste momento.

Mas tem uma coisa em particular que tem me chamado muito a atenção,

Onde estava todo esse excesso?

Por quanto tempo você tem acumulado COISAS?

As toneladas e toneladas de roupas que estão chegando no Sul do Brasil, em sua maioria, já existiam,

Já foram produzidas.

Olha para estes números:

  • Um estudo Ellen MacArthur Foundation estima que 98 milhões de toneladas de recursos naturais não renováveis sejam usados todos os anos no mercado da moda, ou seja, petróleo para produzir as fibras sintéticas, fertilizantes, produtos químicos e outros;
  • Aproximadamente 93 bilhões de metros cúbicos de água são utilizados todos os anos na fabricação de tecidos. Isso chama pegada hídrica;
  • A produção de têxteis é responsável por 1,2 bilhão de toneladas de emissões de gases de efeito estufa anualmente, superando as emissões de todos os voos internacionais e transporte marítimo combinados. Isso chama pegada de carbono;
  • A cada segundo, o equivalente a um caminhão de lixo cheio de roupas, (mais de dois mil kilos) é queimado ou despejado em aterros sanitários. 

  • Para você ter uma ideia, para produzir uma calça jeans são utilizados cerca de 10 mil litros da água, o suficiente para abastecer uma residência com uma pessoa durante três meses, em média. (Fonte: Waterfootprint.org)
  • No Brasil, são produzidas quase 9 bilhões de novas peças por ano. Isso dá uma média de 42 novas peças de roupa por pessoa em 12 meses. (fonte: Relatório Fios da Moda, Instituto Modefica e FGV).
  • Só no Brasil são produzidas 170 toneladas de resíduos têxteis por ano. Desse total, 80% é destinado a lixões e aterros sanitários. (fonte: Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – Sebrae).
  • Estima-se que 85% dos têxteis produzidos anualmente acabam em aterros sanitários, como o Deserto do Atacama no Chile e países como Gana (Kantamanto em Accra). (Fonte: Oizom e ExpertBoilerSolar). Isso chama colonialismo ambiental.
  • Cerca de 100 contêineres, contendo aproximadamente 15 milhões de itens, chegam semanalmente ao porto de Tema, em Gana, sendo que cerca de 70% dessas roupas são destinadas ao mercado de Kantamanto e mais de 2/3 são roupas de má qualidade inutilizadas nos lixões.

Recentemente, em abril de 2024, um desfile organizado pela ONG Desierto Vestido em parceria com o Instituto Febre e a Fashion Revolution Brasil, trouxe à mídia, novamente, as toneladas de descarte têxtil que acontecem no Chile, na região de Vale do Hospicio, no Deserto do Atacama.

A extensão de aproximadamente 40 toneladas de roupas, sapatos e acessórios viraram notícia em 2023 após a empresa SkyFi, especializada em satélites, visualizarem a poluição do espaço. (imagem acima)

Desta vez, o desfile ironicamente chamado de ‘Atacama Fashion Week’ foi organizado como forma de denúncia e tem o objetivo de aumentar a conscientização global acerca do desperdício na moda, além de abrir os olhos para essa região negligenciada pelas leis ambientais e de controle de importação.

Outra coisa que preocupam os residentes de Alto Hospicio, no Chile, são os incêndios que anualmente ocorrem nos lixões clandestinos.

“Como não há um dispositivo legal, a única solução é queimar [a roupa]. E a poluição da fumaça é um grande problema. São provocados incêndios anuais de grandes proporções, que duram entre dois e dez dias.” explica Edgard Ortega, responsável pela área de meio ambiente da cidade.

Apesar dos lixões sempre associarem os descartes ao chamado “Fast Fashion” de marcas baratas e que duram pouco, é importante lembrar que se você compra algo caro, de boa qualidade, e joga no lixo com etiqueta ou com dois usos, isso também é FAST FASHION.

Existem algumas lojas que realizam a logística reversa, recebendo as peças desgastadas para o descarte correto, mas mesmo assim, grande parte do que retorna vira resíduo e essa suposta ação consciente das lojas já foi exposta e questionada em alguns veículos de comunicação como sendo apenas uma fachada de marketing.

Como se não bastasse todo o custo e emprego de recursos finitos na produção dos tecidos, grande parte das roupas está cheia de poliéster, um tipo de resina plástica derivada do petróleo e que oferece grandes vantagens em relação ao algodão: mais barato, pesa pouco, seca rápido e não amassa, em compensação leva cerca de 200 anos para se decompor, enquanto o algodão leva 2 anos e meio.

Com o passar do tempo, as roupas se desgastam e liberam microplásticos que acabam na atmosfera, afetando fortemente a fauna marítima ou terrestre nesses ambientes, e também nós seres humanos.

Uma pesquisa recém divulgada mostra que foi encontrado microplástico, além das já analisadas artérias, também em testículos humanos e caninos.

O fenômeno da moda gera tantos resíduos que a ONU considerou-o “uma emergência ambiental e social”.

Ou seja, são muitos problemas, uma simples calça jeans afeta toda uma cadeia e temos muito pouca consciência disso.

Precisamos encontrar melhores soluções na reciclagem e novas tecnologias mas o mais inteligente ainda é um passo anterior, consumir com consciência.

Ainda precisamos de roupas e a solução não precisa ser sair nu pelas ruas, certo?

A questão é repensar COMO? De onde comprar? Que tipo de empresa, tecidos e tecnologias vou apoiar? Simples perguntas que devem fazer parte do nosso dia a dia e das nossas decisões.

Minha provocação aqui é olhar o seu guarda roupa e estimar quantas peças novas você comprou nos últimos 12 meses. Será que você está dentro da média das pesquisas de 42 novas peças por pessoa?

Você considera que todas as peças que comprou foram realmente necessárias, ou tiveram muitas compras por impulso?

As peças que você tem são em sua maioria novas, compradas recentemente, ou você mantém peças mais antigas e de boa qualidade?

Tudo começa pela nossa tomada de consciência.

Dentro da nossa própria casa e do nosso mundinho.

Para então expandir para o restante da sociedade e cobrar dos governantes o que eles tem poder para fazer, em leis e tomadas de decisões globais.

Será preciso mais desastres como esse para pararmos um pouco, olharmos ao redor, e dar-nos conta de que o que temos é MUITO, É DEMAIS?

Quando é que vamos entender que o planeta é um só e nosso consumo em excesso afeta toda uma cadeia?

Os recursos são finitos.

Não existe ‘jogar fora’!

Reuse e Repense:

Lembre-se que a RECICLAGEM de tecidos ainda exige um alto custo e tecnologia pra ser desenvolvida, a melhor alternativa que temos atualmente neste mercado é a economia circular e o consumo consciente.

Eu amo filosofar e provocar reflexões, mas mais importante do que isso é saber COMO AGIR.

Por isso trago algumas sugestões de como eu e você podemos mudar o ambiente que nos cerca.

COMO ATUAR NO DIA A DIA PARA UM CONSUMO DA MODA MAIS CONSCIENTE:

  • ORGANIZE O SEU GUARDA ROUPA. A Personal Organizer aqui não poderia começar por outro ponto, se não este. E não porque eu esteja ‘puxando brasa pra minha sardinha’ (ainda se usa essa expressão?), mas porque de fato acredito que ter o seu espaço organizado seja fundamental para enxergar tudo que tem e tomar melhores decisões. O que mais se repete enquanto organizo os closets de minhas clientes é “Eu nem lembrava mais dessa peça! Onde estava?” ou “Nossa, acabei comprando um sapato igual porque não encontrei esse”. Não podemos normalizar isso e achar engraçado. A organização procede do descarte. Verifique tudo que você tem e combina com seu estilo de vida versus o que você não gosta de usar, não se sente confortável, não cabe mais e que não tenha serventia. (neste fluxograma auxilio melhor você nessa etapa). O que tiver em condições de uso, DOE ou CIRCULE (falaremos mais abaixo) e o que já estiver gasto e sem aparente utilidade, pesquise como descartar resíduos têxteis na sua cidade. Roupas rasgadas podem virar caminha para cachorro, bolsas, retalhos e arte. Algumas empresas sérias fazem a recolha de retalhos e encaminham pra entidades que tratam isso. Isso chama upcycling.
  • CONSERTE MAIS. Eu já fui mais resistente à manter peças com manchas, um pequeno defeito, um fio puxado… mais uma crença implantada pela cultura de termos que nos apresentar impecavelmente e com peças novas e na tendência o tempo todo (que preguiça). E sim, é importante se apresentar bem, mas mais chique ainda é cuidarmos do lugar que vivemos. Conservar e consertar roupas é um ato de resistência ao ciclo de consumo descartável promovido pela indústria da moda rápida. Ao consertar nossas roupas, prolongamos sua vida útil e reduzimos nossa pegada de carbono. Além disso, consertar roupas é uma forma de desenvolver algumas habilidades manuais essenciais, aprender a fazer pequenos reparos em casa (Quando foi que nossas mães deixaram de nos ensinar a pregar um botão de camisa?) e valorizar o trabalho manual de costureiras, sapateiros e alfaiates (Aliás, uma mão de obra cada vez mais escassa nos dias atuais e que garanto nenhuma IA vai substituir). Manter nossas roupas com cuidado quer dizer que estamos cultivando um senso de gratidão e cuidado por aquilo que já possuímos (falo muito disso por aqui e essa vibe Marie Kondo de ser), desafiando a ideia de que devemos constantemente comprar coisas novas para nos sentirmos satisfeitos (ou seria satisfazer a indústria?).
  • SEJA CRIATIVO. Brinque mais com as suas peças. Desde que uma amiga personal stylist foi à minha casa, a minha relação com as roupas mudou muito. Ela me mostrou as infinitas possibilidades que eu tinha dentro de casa e não enxergava. Se possível, contrate uma ou seja sua própria personal stylist! Faça novas combinações com as peças que você já tem, ouse e experimente novas misturas. Você vai se surpreender como o seu guarda roupa pode se multiplicar (sem comprar nada) só exercitando mais a sua criatividade.
  • TROQUE ENTRE AMIGOS. Passe adiante as suas roupas. Faça brechós solidário entre amigas e familiares, circule as roupas entre si, especialmente de criança que perdem tão rápido. LEMBRE-SE que a roupa mais sustentável é aquela que já foi fabricada.
  • FAÇA LISTAS. Seja uma lista digital ou no seu aplicativo de preferência, ter consciência do que você realmente precisa auxilia muito na hora em que você precisar comprar algo. Após organizar o seu espaço, consertar todo o possível, fazer trocas e criar novas combinações, vai conseguir entender com maior clareza quais são as peças fundamentais que podem estar faltando no seu guarda roupa. Seja fiel à sua lista e lembre das perguntas que fizemos acima. (Como e de onde comprar? Quais as práticas dessa empresa? Etc…)
  • SEJA CLIENTE DE BRECHÓS. Seja adepto do Second hand. Já foi-se o tempo que comprar peças de segunda mão era sinônimo de falta de condições financeiras. Comprar usado é o novo chique! A variedade de brechós tem crescido e muito por influência da consciência e preocupação ambiental da Geração Z. Com a sua listinha de extrema necessidade em mãos, ao invés de ir à grandes lojas de departamentos, considere garimpar brechós, físicos ou online (há muitas hoje em dia e eu vou linkar aqui pra você em breve alguns dos meus favoritos). Isso chama Economia Circular.
  • COMPRE DA SUA COMUNIDADE. Sempre que possível compre de marcas responsáveis e locais. Quanto menos intermediários envolvidos, melhor. Contribua para a comunidade local, verifique a procedência dos tecidos e principalmente da mão de obra. Não adianta ter uma roupa linda e pagar barato se na outra ponta tem alguma mãe de família, ou até crianças, fabricando aquela peça por condições subumanas.
  • ALUGUE. Assim como os brechós, loja de trocas e aluguéis de roupas estão cada vez mais populares. Se você precisar de algum item especifico, tipo um vestido ou um sapato de festa, considere pedir emprestado ou alugar antes de ir ao shopping.
  • EXERCITE A DOAÇÃO. Seja de roupas ou de qualquer outro item, torne a doação e a visita generosa à instituições de caridade, asilos e orfanatos um hábito. Isso vai te trazer outro olhar sobre valores e consumo.
  • FAÇA RENDA EXTRA. O que não lhe servir mais, faça renda extra, valorize o seu dinheiro vendendo em lojas de usados online. Você garante que aquela peca terá uma vida útil mais longa e ainda ganha um dinheirinho extra para investir em outra coisa que esteja precisando. Isso também é economia circular.
  • VIGIE. Observe quem são os seus ‘influenciadores’, seja nas redes sociais ou na sua roda de amigos. O que essas pessoas estão falando, estão vendendo, estão estimulando, faz sentido pra você?
  • SE FOR COMPRAR, COMPRE MELHOR. Sempre que possível, invista um pouco mais e opte por vestuário de melhor qualidade em menor quantidade. Isso chama Slow Fashion.
  • A RESPOSTA É A NATUREZA. Faça menos passeios no shopping, faça mais passeios na natureza. Somos humanos e temos desejos, evite passeios no shopping que só vão despertar mais vontade de ter tudo aquilo que você não precisa. Opte por mais passeios ao ar livre onde a natureza é gratuita, disponível e democrática para todos usufruírem e partilharem.

Eu espero que estes números da indústria da moda tenham te assombrado tanto quanto à mim. Eu acredito que o primeiro passo na busca por um futuro possível é tomar consciência do tamanho do buraco em que nos metemos, para então começar a procurar alternativas pra sair dele.

Com negacionismo e desculpas iludidas nunca tomaremos ação.

Quais destas sugestões para o consumo consciente você acha que pode aderir na sua rotina?

Vamos agir enquanto temos tempo. O reloginho está tocando.

Renata Cunha

Renata atua como Personal Organizer desde 2015, é obcecada por listas e cestinhos organizadores. Busca uma vida mais leve de menos cobrança e controle, equilibrando organização na medida certa, uma boa dose de minimalismo e desapego, e muitas pausas e respiros para a auto consciência.

Você também pode gostar...