Antes de mais nada eu preciso confessar uma coisa, existem dois textos sobre esse app.
O primeiro eu fiz e conclui antes mesmo de testar o aplicativo e minha conclusão era bem crítica e pessimista.
Até que me dei conta do quão hipócrita eu estava sendo ao fazer críticas de algo que eu nem ao menos tinha testado.
Então eu esperei mais um pouco, baixei o aplicativo, e agora pouco mais de 1 mês de uso acredito que eu tenha mais embasamento para falar dos pontos positivos e negativos do aplicativo Be Real.
Então vamos ao que interessa.
O aplicativo Be Real tem uma proposta de mostrar a vida real e sem filtros.
Já faz algum tempo que tenho tido umas crises ao utilizar as redes sociais que estimulam e vendem a vida dos palcos de todo mundo.
Vivo num eterno dilema se estou usando as redes sociais como ferramenta necessária de trabalho ou me perdendo em meio à tantas comparações e promessas de vida perfeita.
Publicamos o que queremos, quando queremos, mostrando só a parte boa, ou ainda, melhorando algo que nem é tão bom assim…
Colocamos um filtro aqui, aumentamos uma boca ali, ficamos mais bronzeados, afinamos um nariz… Tiramos a foto de um ângulo que favoreça. Não só o nosso e dos nossos amigos, como do ambiente em que estamos.
Quantas vezes não estive em uma praia e empurrei o lixo de lado pra pegar só o ângulo do por do sol?
Quantas vezes não refiz a foto porque mostrava um dente torto que queria disfarçar?
Quantas vezes não publiquei uma foto bonita de um ponto turístico enquanto a minha vida pessoal se estraçalhava do outro lado?
Já aconteceu comigo algumas vezes e imagino que tenha acontecido algo parecido com você em algum momento.
E mesmo assim nos esquecemos que a vida é isso… altos e baixos, e muitas vezes é só questão de ponto de vista.
Sempre dá-se um jeitinho de mostrar só a parte boa e raramente mostramos os perrengues reais da vida.
Quando eu tinha recém mudado pra Portugal e estava compartilhando minha nova vida no Instagram, eu senti necessidade de mostrar a vida real que estava vivendo.
Pra quem está no Brasil e vê alguém morando fora ou viajando, seja na Europa seja em qualquer outro lugar, enxerga tudo de um ângulo mágico em que tudo se transforma em passeios e vida boa.
Eu entendo que quem está lendo dessa forma é porque normalmente a pessoa que está publicando do outro lado está mostrando essa vida fascinantemente fácil e só. Mas eu tinha vontade de falar um pouco mais da realidade, dos dois lados.
Na época, junto de meus amigos, abrimos um perfil onde, além de publicar a praia bonita que estávamos curtindo, falávamos sobre como chegamos até lá depois de dois trens, 30 minutos de caminhada e uma mochila com a marmita nas costas, pra que não precisássemos gastar dinheiro lá.
adendo: Eu tenho total noção de que este não é um verdadeiro problema na vida, mas naquele momento era o que fazia parte da nossa realidade.
Ao contrário de só falar “venha viver na Europa e ganhar em euros”, fazia questão de mostrar um pouco mais do meu dia a dia trabalhando 6 dias da semana pra ter 1 dia de folga na praia. Aquele dia que rendia fotos pro feed a semana toda (quem nunca?).
Levávamos tudo isso no bom humor, até porque esse era o ponto principal do perfil. E não simplesmente sair reclamando da vida.
É natural ter altos e baixos, é natural passar pelos conhecidos “dias de luta, dias de glória”, o que não é natural é a vida que vendemos no insta.
Senti uma interação positiva com nossos amigos na época, pra mim era quase que um serviço social ou uma forma de dizer, “Ei! não é porque estou na beira da praia que não entendo o que você possa estar passando também” e “Ei! Não é porque estou vivendo fora que minha vida é só passeio e salário em euro“.
Essa conversa é bem mais profunda do que isso, eu sei, mas seguimos…
Aos poucos fui parando de postar naquele perfil mas confesso que é algo que procuro fazer nas minhas redes pessoais eventualmente. Acho que existe uma responsabilidade da parte de quem está recebendo aquele conteúdo sobre questionar o que existe ‘por trás’ da vida perfeita vendida, mas também uma auto responsabilidade quando postamos ao pensar ‘Como isso pode impactar os outros?’. E sempre que possível, levantar pontos reais também pra tirar o povo da ilusão do País das Maravilhas em que invariavelmente a rede social nos transporta.
Já comentei com alguns amigos próximos o quanto eu gostaria que tivesse, e se possível criaria um, aplicativo da vida real.
Perfis reais, compartilhando o dia a dia normal e as pedras do caminho que eu sei que não sou só eu quem tropeça.
Mas por outro lado me questiono se isso daria certo…
Será que afinal as pessoas iam consumir esse tipo de conteúdo, ou a vida já está tão dura dentro de casa que o que queremos mesmo é só nos alimentar de ilusão e achar que a vida da celebridade é mais significante do que a nossa pra continuar justificando nosso papel de vítima?
Recentemente me deparei com um aplicativo que chama BE REAL. Foi criado em 2019, na França, por Alexis Barreyat e Kévin Perreau mas aparentemente só agora está ficando mais famoso e tendo mais adeptos. Em 2022, inclusive ganhou um prêmio de melhor aplicativo na premiação “App Store Awards 2022”.
A proposta do Be Real parece interessante e muito simular ao que visualizei um dia.
O Be Real foi criado para mostrar a vida real, até aí maravilhoso.
Mas a forma com que ele faz isso é lhe enviando notificações aleatórias durante o dia e então você tem um prazo de 2 minutos para postar, ou seu prazo expira.
A moral do timer é te incentivar à publicar algo natural, pois, considerando que você não sabe quando a notificação vai chegar, você precisa postar algo imediatamente, sem produção nenhuma.
No aplicativo não há filtros, e a foto que você tira, sendo selfie ou não, mostra a imagem dos dois lados da câmera.
Digamos que em dois minutos deu tempo de você correr, passar um batom, retocar a olheira e preparar o carão pra selfie, e aí CLIC, você linda. E a câmera traseira toda a bagunça do seu quarto acumulada. hahaha
Provavelmente essa seja a deixa do “vida real”. Sem filtros disponíveis, sem tempo pra produzir demais, e supostamente “autêntico”.
Antes de testar, eu pensei ‘Onde fica a espontaneidade de um post que tem ‘hora marcada’ pra ser publicado? Qual a autenticidade de um perfil ao ter notificações aleatórias no meio do seu dia a dia para que você CUMPRA UM PRAZO de postagem?’
Você passa a ser “obrigado à postar”, onde quer que esteja, seja lá o que estiver fazendo. Será mesmo que a gente não tenha nada de mais interessante na vida do que compartilhar nas redes sociais o que está acontecendo na nossa vida?
E isso foi o que eu havia pensado antes de testar o aplicativo.
Agora que eu experimentei o app e a função dos 2 minutos eu percebo de outra forma.
Primeiro que se você perder a notificação que o app dá na hora de postar, você não fica impedido de postar naquele dia, pode postar depois, caso queira.
A “vantagem ” de postar na hora que ele manda é que você ganha o “bônus” de poder postar mais 2 fotos extras (pq de regra geral só é permitido um post ao dia).
O que alguém pode ver como vantagem, mas na minha opinião não faz sentido de mais de um post ao dia, pois o app afinal não é pra isso.
E ao contrário do que pensava, ter uma notificação para postar não chega a ser contra a autenticidade, na verdade ele te faz uma surpresa e te desafia a postar exatamente o que está acontecendo naquele momento, sem poder escolher ‘o momento clímax do seu dia’, digamos.
Eai entram dois pontos,
você pode continuar em busca do ‘melhor ângulo’ ou postar ‘a vida como ela é’.
Logo nas primeiras fotos que batia, por não entender o timing das câmeras frontal e traseira, eu acabei tirando fotos tosquíssimas (vide abaixo). Definitivamente não saí no meu melhor ângulo, não me favoreceu e minha vontade na hora era poder tirar uma segunda foto. (acho que o app só te da no maximo 1 chance extra)
A medida que os dias foram passando e eu fui me adaptando, eu percebi que não dava mais bola em “sair bonita”. Era só uma foto, um retrato de 1 segundo, que não precisava ser a melhor foto da minha vida. Era só eu naquele momento sendo eu mesma, em 3 dimensões supostamente, e não em 1 dimensão e 2 décimos do meu ângulo-de-perfil-favorito-que-não-mostra-que-eu-tenho-um-olho-maior-que-o-outro.
Além disso, eu percebi que por algumas vezes essa notificação se tornou um “lembrete” de como afinal a minha vida não estava ‘tão ruim’.
É como se puxasse para o momento presente.
Se eu olhar o meu histórico de posts desde que comecei, a maioria das fotos trazem bons momentos (importante falar que nesse período eu estava de férias na Itália, e sim, não é difícil encontrar bons momentos nessa hora) mas mesmo assim, ter o lembrete de postar era como se abrisse meus olhos para o que eu estava vivendo naquele momento e percebendo as bênçãos daquilo.
Mesmo agora que estou de volta ao trabalho e à uma rotina mais trivial, digamos, quando a notificação aparece, eu procuro dentro daquela realidade a melhor visão que eu puder mostrar, ou pelo contrário, posto alguma imagem cotidiana e sem graça, tipo a pia de louça suja, e vejo mais humor naquilo.
Parece que vivo o presente com mais leveza e naturalidade. Afinal, “é só a vida real”.
Nem sempre a vida vai ser extraordinária.
Ou você pode ver as coisas ordinárias de uma maneira mais excitante.
À parte as tuas próprias publicações,
você pode ver o que fica publicado no mural geral Discovery, mas apenas se tiver postado primeiro. (Ao postar, você tem a opção de fazer privado ou publico)
Não há vídeos, não há propagandas, não há feed infinito. Depois que as fotos são postadas, após determinado tempo saem do ar e não ficam visíveis em nenhum lugar, só existe um arquivo pra você. O que atrapalha bastante a vida dos stalkeadores profissionais e amadores das demais redes, que aqui não terão espaço.
No mural público, como eu vivo fora do Brasil, aparece pra mim muita gente da Inglaterra, França, Itália… e imagino que o tipo de postagem possa ser diferente do Brasil por questão simplesmente de cultura. E pelo menos pra mim aparecem muitos jovens adolescentes, na sala de aula, ou em casa estudando, e talvez seja a maior parte dos usuários.
Você pode reagir às fotos dos outros com um ‘emoji personalizado’, uma selfie, o que na minha opinião pode ser mais verdadeiro e real que outras plataformas. (quantas vezes você não reagiu um “kkk RINDO ALTO” enquanto não mostrava um dente na boca na vida real?)
Como não tenho amigos ativos no app, acabava vendo e as vezes interagi com perfis públicos de desconhecidos, mas não é propriamente o “social” que a gente espera de uma rede. Talvez se tivessem mais conhecidos seria mais divertido *(add-me).
Por outro lado, porque a vida é cheia de ‘outros lados’, poder ver mais sobre o que outras pessoas fazem, que não são do meu círculo, abriu um pouco minha cabeça.
Você concorda que passamos a viver em certas bolhas?
Temos os mesmos tipos de amigos, principalmente se você sempre fez algo parecido toda vida e viveu no mesmo lugar, conheceu poucas pessoas… você pode não perceber porque afinal está dentro dessa bolha, mas os seus amigos vivem vidas parecidas com a sua, frequentam os mesmos lugares e têm os mesmos hábitos, e nossa rede social vira mais do mesmo.
Numa rede assim onde vemos mais perfis públicos e diferentes do que estamos acostumados, vemos mais sobre o que pessoas comuns do mundo todo estão fazendo. O que elas comem, que tipo de hábitos têm, como são suas casas… (hoje, no Globo Repórter, haha).
Tirei alguns prints curiosos pra compartilhar do que estou falando.
Como essa típica cabana da Noruega, parece saindo de um filme de final de ano onde vive o Papai Noel.
Acredito que o aplicativo cumpre ao que se propõe de “normalizar” a vida, no melhor sentido dessa palavra, pois os compartilhamentos, diferente da propaganda do app que traz fotos de gente esquiando e belas paisagens, mostra a vida real de pessoas com cara amassada na cama, comendo um lanche com os amigos ou jogando vídeo game na sala de uma casa simples e ‘desarrumadamente’ normal.
Você consegue ver como é muito diferente de outras redes sociais que frequentamos.
Resumindo, tudo tem os dois lados, e as câmeras do app comprovam.
Continua sendo uma rede social que, se não cuidarmos, podemos passar tempo demais. Continua sendo um ponto de comparação – mas me parece que afinal toda interação social acaba fazendo isso – só é provavelmente uma rede mais humana, com recursos mais simples e que perturbem menos nossas frágeis cabecinhas do que outras ferramentas frenéticas demais por aí.
Acredito que de fato o aplicativo Be Real cumpre com a proposta de trazer a vida sem filtros.
Eu passei a enxergar mesmo as coisas simples de uma maneira mais leve e a aceitar a cara que saiu torta, o cabelo desgrenhado, a rotina ordinária e simples de cada dia, e o belo disso.
E que antes de mais nada, não somos aquela foto. Somos muito mais do que aquele click e as redes sociais são apenas um pequeníssimo recorte do nosso dia a dia. Este é um importante lembrete para nós e para enxergamos o ser humano do outro lado das telas!
Será este app uma boa alternativa e solução do meu ranço com as redes sociais?
Ou quem sabe a verdadeira e autêntica rede social que eu tanto procure ainda seja simplesmente uma roda de amigos? hahaha =P
E você, o que pensa? Já testou ou ficou curioso?
Para baixar aplicativo Be Real no Google Play, clique aqui.
Para baixar aplicativo Be Real na Apple Store, clique aqui.